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Transformação verde na construção civil

A transição de um ambiente para um novo, fundado em paradigmas até então desconhecidos, causa o desconforto e a resistência que podem caracterizar o chamado choque cultural. No processo de transformação do setor da construção civil imobiliária rumo a um ecossistema sustentável, não é diferente. O setor é formado por 125 mil empresas registradas na categoria construção civil e, segundo o Secovi, o sindicato da habitação, 85% são de pequeno e médio porte – incluindo aí aquelas de gestão familiar, que podem ser menos permeáveis a novas práticas, capazes de criarem uma cultura ESG na própria companhia.

A ADN contratou uma consultoria para ter suporte e mais conhecimentos para a jornada ESG, inclusive na questão cultural. Até o meio do ano, terá montado três comitês, ambiental, social e de governança, também criou um time formado por pessoas de diferentes níveis e formações sociais para ajudar a transmitir para os seus 3 mil colaboradores em que ponto está em termos de cultura de sustentabilidade e onde quer chegar.

Um fator de resistência à adesão a práticas ESG por parte de muitos empresários reside na ideia de que a adoção significa um gasto a mais nas planilhas da companhia. “A pessoa pensa que custa muito caro fazer sustentabilidade, mas considero mais caro não ter, porque com ESG a tendência é haver mais produtividade”, diz Roberta Bigucci, diretora administrativa da MBigucci, fundada em 1983 em São Bernardo do Campo. “Quando se começa a reorganizar a empresa, remodelando procedimentos e ações, também está cuidando do G. E isso vai trazer benefícios, inclusive financeiros, e já está indo para o S, pois vai trazer satisfação pessoal para as pessoas da organização, do entorno, da vizinhança”, argumenta.

Bigucci defende que a primeira coisa que uma empresa deve fazer, quando se trata da adoção de práticas ESG, é olhar para dentro, porque muitas vezes a companhia já utiliza alguns métodos que podem ser considerados sustentáveis, da coleta de lixo reciclável, à redução de resíduos e reaproveitamento de material. Claro, ESG é muito mais do que ter alguns processos sustentáveis – requer um projeto fortemente estruturado, com metas e transparência –, mas essa proposta ajuda a quebrar resistências. “Às vezes, alguns procedimentos estão tão enraizados, que não se percebe que eles podem ser um diferencial. Então tem de olhar para dentro”, afirma a diretora.

Ter os líderes na mesma página, puxando a agenda, ao que tudo indica, faz a diferença para criar uma cultura pró-ESG. “Eu não era nem CEO da companhia quando contratamos uma consultoria para falar com todos os executivos para explicar o que precisávamos mudar”, conta Eduardo Fischer, que assumiu como co-presidente da MRV ao lado de Rafael Menin em 2014. “Olhando para trás, percebo que os executivos e os colaboradores estão mais maduros em relação ao tema. Se antes era um tabu discutir se faríamos um trainee intencional para contratar pessoas negras, se isso seria discriminação ou não, hoje já não é. Outros temas assim também discutiremos e serão cada vez mais parte do nosso normal”, pontua.

A dica aqui é mais simples do que parece: “É começar um pé na frente do outro e ir mobilizando mais gente para ter mais pessoas que empurram do que seguram”, diz Fisher. “E vá sem medo, entenda que corrigir rotas faz parte e às vezes terá que voltar alguns passos para trás, sem ficar preocupado demais”, completa Fischer. “Ter um órgão de governança relevante focado nisso ajuda a permear as iniciativas nas companhias, afinal, sem G não temos E e S”, acrescenta o consultor Lincoln Camarini, da Resultante, que acompanha a evolução do ESG em 11 setores, incluindo o construção civil.

No processo de transformação, até mesmo o método construtivo pode entrar em discussão. Atualmente, a construção modular é avaliada como uma forma de reduzir a produção de resíduos e ganhar celeridade nas obras. Por esse processo, as paredes já chegam prontas à construção, com toda a fiação, tomadas, pontos para acender a luz e espaço para instalação de portas, se for o caso, instaladas. É só ‘encaixar’ e fazer as conexões. “É um processo de industrialização da construção civil, boa parte da obra ocorre dentro de um parque fabril”, diz Ricardo Mateus, CEO da Brasil ao Cubo, de Santa Catarina, que adota esse processo em seus projetos.

Matheus Picceli, CFO da empresa, afirma que, por ser um processo controlado, dentro de um ambiente fabril, as rotinas são muito bem definidas. “Não temos o desperdício que existe na obra. Até a questão de retrabalho, de erro do profissional, é extremamente reduzida. Conduíte, fiação, é quase desperdício zero, porque é um time muito especializado que está dentro da fábrica, há controle de qualidade muito forte e também de segurança do trabalhador”, diz.

Construção modular de um edifício feita pela Brasil ao Cubo — Foto: Foto: Divulgação / Brasil ao Cubo

Esse modelo construtivo, no entanto, enfrenta obstáculos, ainda é caro, de acordo com Paula Janssen, da ADN. “O método off site ainda não é rentável”, afirma a executiva. “O que percebemos que é muito valorizado por nossos clientes são o prazo, a velocidade e a segurança. Ao conseguir entregar uma obra até quatro vezes mais rápido em relação ao método tradicional, os nossos clientes já conseguem usufruir do empreendimento. A geração de receita é expressiva”, declara Picceli. Ele acrescenta que a emissão de carbono de uma obra é aproximadamente 23% menor daquela que adota o que uma obra convencional.

Nesse sentido, a ADN iniciou o inventário de sua pegada de carbono. “Já estamos com esse trabalho, começamos a mapear, estudar formas de compensação. O próprio plantio de árvores já está um para um: cada apartamento feito, plantamos uma árvore”, conta Janssen. Ela diz que até o fim do ano deverá ter os resultados desse processo.